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quarta-feira, 13 de março de 2013

HISTÓRIA E LITERATURA: UMA ANÁLISE DA POSTURA DA MULHER NA SUA TRAJETÓRIA DE EMANCIPAÇÃO


Meu segundo artigo publicado:


HISTÓRIA E LITERATURA: UMA ANÁLISE DA POSTURA DA MULHER NA
SUA TRAJETÓRIA DE EMANCIPAÇÃO - Artigo publicado



obs.:
Artigo publicado na Revista de Letras Dom Alberto, 2012
Os direitos autorais são da Revista Eletrônica. Ao fazer qualquer tipo de referência, citar a fonte:
BARRETO, Juliana Antunes. História e Literatura: Uma análise da postura da mulher na sua trajetória de emancipação. In: REVISTA DE LETRAS DOM ALBERTO. V.1. N.2. ISSN: 2316-2635 - versão eletrônica. Santa Cruz do Sul/ RS: Faculdade Dom Alberto, 2012, p.1-14.

Para quem quiser ir direto à fonte, o link da Revista Eletrônica:
http://domalberto.ning.com/page/rlda-numero-02-artigos



Do meu artigo:


ABAIXO, UMA REPRODUÇÃO DO ARTIGO. PARA VER A FORMATAÇÃO CORRETA, VISITE AQUI.




Revista de Letras Dom Alberto
ISSN 2316-2635 - versão eletrônica
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Revista de Letras Dom Alberto, v. 1, n. 2, ago/dez. 2012
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HISTÓRIA E LITERATURA: UMA ANÁLISE DA POSTURA DA MULHER NA
SUA TRAJETÓRIA DE EMANCIPAÇÃO
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Juliana Antunes Barreto1
RESUMO
A Literatura possui muitas funções, dentre as quais se encontra a de transcrever para os livros, em
processos de verossimilhança, a realidade de cada época da história. Este artigo se propõe a traçar um
panorama histórico do patriarcado, no qual a mulher era apenas um mero objeto, sem voz, sem poder de
persuasão, passando por humilhações e pressões psicológicas e físicas. Pretendendo obter um paralelo
com a Literatura, o estudo findou-se em pesquisa bibliográfica. Foram escolhidas personagens da
Literatura brasileira, pertencentes da era romântica à contemporaneidade, a fim de mostrar que a figura
feminina conseguiu atingir seu auge de liberdade, a ponto de, neste momento de contemporaneidade,
buscar a igualdade entre os gêneros masculino e feminino. Conclui-se que a Literatura é forma de
expressão e catarse na luta da mulher pela emancipação.
Palavras-chave: História. Literatura brasileira. Emancipação feminina.
ABSTRACT
Literature has many functions, like transcribe to the books, in processes of verisimilitude, the reality of
every period of history. This article aims to give an overview of historical Patriarchy, where the woman
was just a single object, without no voice, no power of persuasion, through physical and psychological
pressures and humiliations. In order to obtain a parallel with literature, the study ended in bibliographical
research. Were chosen the characters in Brazilian literature, belonging to the romantic's season to the
present day, in order to show that the female figure was able to reach its peak of freedom, to such an
extent that, in the contemporary moment, she is seeking male and female equality. We conclude that the
literature is a form of expression and catharsis in the struggle for women's emancipation.
Keywords: History. Brazilian’s literature. Female’s emancipation.
1 Graduada em Letras/ Português pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
E-mail: ahhfalaserio@hotmail.comRevista de Letras Dom Alberto
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INTRODUÇÃO
Unir história e Literatura é inevitável. Tudo o que foi vivido ou construído pelo
homem na história da humanidade, em algum período, acabou, de uma forma ou de
outra, por ser refletido nas páginas literárias.
Escolheu-se para este trabalho a figura feminina e sua trajetória na história e na
Literatura, em dois momentos específicos: enquanto a mulher foi vítima das atrocidades
de uma sociedade machista; e o momento da modernidade/ contemporaneidade,
quando ela começa a se soltar das “amarras” que a prenderam socioculturalmente.
Nossa justificativa se traduz na tentativa de mostrar que não cabem mais os
preconceitos e interditos que sempre foram submetidos à mulher. E, por isso, este
trabalho se torna pertinente, relevante para os estudos históricos, literários, podendo ir
mais longe que isso, uma vez que abre lacunas para reflexões nesta era da
contemporaneidade. Para atingir tal objetivo, escolhemos a pesquisa bibliográfica,
atentando-se mais ao foco que nos interessa: a representação da figura feminina na
Literatura.
Por isso, este artigo encontra-se dividido em três partes: primeiramente, propõe
uma análise do período patriarcal, enfatizando a Idade Média, época em que as mulheres
sofreram desde submissões psicológicas a castigos físicos, buscando entender as
possíveis raízes da crença na suposta superioridade masculina; em segundo lugar, ainda
sob os olhos de uma sociedade patriarcal, propõe-se uma análise da personagem
Carolina, da obra “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, como representante do
Romantismo, procurando, através das características dela e do enredo, compreender as
imposições a que a personagem era submetida; e, por último, optou-se por analisar uma
personagem do Realismo, Helena, de Machado de Assis, uma do Modernismo, Madalena,
da obra “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, e, enfim, uma personagem da Literatura
contemporânea, conhecida pelas iniciais CLB, do livro “A Casa dos Budas Ditosos”, de
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A escolha por essas personagens não se deu de maneira aleatória, uma vez que
cada uma delas, à sua maneira, representa parte da história feminina, principalmente na
sua sexualidade, ou até na privação desta.
UMA ANÁLISE DA FIGURA FEMININA E DE SUA SEXUALIDADE SOB O JUGO
MASCULINO
Bem se sabe que, durante muito tempo, a mulher foi foco de machismos e
imposições da sociedade, os quais lhe proibiam de manifestar-se sexualmente com
liberdade. A pior das consequências acarretadas por isso foi a punição, através de
castigos físicos ou psicológicos, sempre que a mulher transgredia o que, para cada época,
era considerado “normal”. Nunes (2005, p. 18) vem dizer que “muitas vezes o
argumento do ‘natural’ é a forma mais cabal do preconceito ou do conservadorismo”.
Isso que dizer que se deixar impor por esses interditos só nos leva a reproduzir séculos
e mais séculos de pensamentos autoritariamente machistas. E o autor ainda acrescenta:
Importa-nos demonstrar que a sexualidade, como dimensão humana, não pode
ser reduzida a um objeto estranho, fora de nós, sobre o qual se faz um discurso
técnico, frio, dogmático ou permissivo. Como dimensão privilegiada do
subjetivo, do existencial, e ainda mais se considerarmos as rotulações e os
controles religioso-morais históricos sobrepostos, a sexualidade só pode ser
tratada de maneira profundamente próxima, densa de dignidade e humanismo,
para ser eficaz e significativa. (NUNES, 2005, P. 19).
Mas nem sempre foi assim. Bataille, em “O Erotismo”, mostra que a religião foi
uma das maiores imposições à liberdade sexual:
O sagrado puro, ou fasto, dominou desde a antiguidade pagã. Mas, mesmo que se
reduzisse ao prelúdio de uma superação, o sagrado impuro, ou nefasto, era o seu
fundamento. O cristianismo não podia até o fim rejeitar a impureza, não podia
rejeitar a mácula. Mas ele definiu, à sua maneira, os limites do mundo sagrado:
nessa definição nova, a impureza, a mácula, a culpabilidade eram colocadas fora
desses limites. O sagrado impuro foi desde então relegado ao mundo profano. Nada
pôde subsistir, no mundo sagrado do cristianismo, que mostrasse claramente o
caráter fundamental do pecado, da transgressão. O diabo — o anjo ou o deus da Revista de Letras Dom Alberto
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transgressão (da insubmissão e da revolta) — era expulso do mundo divino. Ele era
de origem divina, mas na ordem das coisas cristãs (que prolongava a mitologia
judaica) a transgressão não era mais o fundamento de sua divindade, e sim o de sua
queda. (BATAILLE, 1987, p. 79).
Com esses pensamentos, nota-se que a ideia de “proibido”, “pecado”,
“transgressão” foi apenas algo construído ao longo de um período, baseado no que se
considerou moral e ético para uma época, mas que se foi propagando ao longo dos
tempos posteriores, chegando, inclusive, à contemporaneidade com alguns resquícios. O
autor, através das suas ideias sobre o erotismo, vem dizer que a sexualidade está numa
simplicidade natural:
A atividade sexual de reprodução é comum aos animais sexuados e aos homens,
mas, aparentemente, só os homens fizeram de sua atividade sexual uma atividade
erótica, e o que diferencia o erotismo da atividade sexual simples é uma procura
psicológica independente do fim natural encontrado na reprodução e na preocupação
das crianças. (Ibidem, p. 10).
Por haver essa relação com o psicológico, indo muito além do propósito de
reprodução, a sexualidade foi o maior foco das interdições. Mas, por que exatamente
contra a mulher?
De acordo com o livro de Gênesis, a mulher se condenou a partir de Eva:
Então a mulher viu que a árvore tentava o apetite, era uma delícia para os olhos
e desejável para adquirir discernimento. Pegou o fruto e o comeu; depois o deu
também ao marido que estava com ela, e também ele comeu. Então abriram-se
os olhos dos dois, e eles perceberam que estavam nus. (...) Então Javé Deus
disse para a serpente: ‘Por ter feito isso, você é maldita entre todos os animais
domésticos e entre todas as feras. Você se arrastará sobre o ventre e comerá pó
todos os dias de sua vida’. (...) Javé Deus disse então para a mulher: ‘Vou fazer
você sofrer muito em sua gravidez; entre dores, você dará à luz seus filhos; a
paixão vai arrastar você para o marido, e ele a dominará’. (BÍBLIA, 1990, p. 16-
17).
Mas, além disso, sociedades primitivas mais arcaicas traziam o homem como
poder absoluto na casa. É o que se chama Patriarcado. Nunes (2005, p. 58-60) diz que foi Revista de Letras Dom Alberto
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essencialmente no Período Neolítico, quando muitas transformações abalaram as
estruturas das comunidades, que, com a apropriação e demarcação de terras, o homem
passou a possuir a função de chefe. Sicuteri (1998, p. 118) relembra que, na Idade Média,
“a crença de que as bruxas provocavam a doença e a morte era, em voz baixa, ampliada
para as mulheres em geral, pois estas, embora aceitas e desfrutadas, eram-no com a
maior desconfiança, por causa dos sentidos e de ‘sua imundície’”.
Toda essa atrocidade cometida contra a mulher teve origem muito antes. É o que
(KRAMER; SPRENGER, 2011) nos vem contar:
Desde a mais remota antiguidade, as mulheres eram as curadoras populares, as
parteiras, enfim, detinham saber próprio, que lhes era transmitido de geração
em geração. Em muitas tribos primitivas eram elas as xamãs. Na Idade Média,
seu saber se intensifica e aprofunda. As mulheres camponesas pobres não
tinham como cuidar da saúde, a não ser com outras mulheres tão camponesas e
tão pobres quanto elas. Elas (as curadoras) eram as cultivadoras ancestrais das
ervas que devolviam a saúde, e eram também as melhores anatomistas do seu
tempo. Eram as parteiras que viajavam de casa em casa, de aldeia em aldeia, e
as médicas populares para todas as doenças.
Mais tarde elas vieram a representar uma ameaça. Em primeiro lugar, ao poder
médico, que vinha tomando corpo através das universidades no interior do
sistema feudal. Em segundo, porque formavam organizações pontuais
(comunidades) que, ao se juntarem, formavam vastas confrarias, as quais
trocavam entre si os segredos da cura do corpo e muitas vezes da alma. Mais
tarde, ainda, essas mulheres vieram a participar das revoltas camponesas que
precederam a centralização dos feudos, os quais, posteriormente, dariam
origem às futuras nações. (KRAMER; SPRENGER, 2011, p. 14).
Ficou claro que, nas sociedades arcaicas, houve um ponto de partida, e que a
justificativa religiosa veio acrescentar mais interdições. E outro fato que é preciso
lembrar diz respeito à propagação do caráter de “bruxa” e “transgressão” às outras
mulheres. O que se percebe é que, independentemente da época, a mulher sofreu,
durante todo um passado, a consequência de ser considerada inferior ao homem, social
e sexualmente, o que se ampliou de maneira fatal para o trabalho e demais setores de
sua vida. Assim, não só aquelas acusadas de “hereges”, mas toda a classe feminina, na
maior parte de sua história, sofreu, em maior ou menor grau, os mandamentos de uma
sociedade falocêntrica, machista.Revista de Letras Dom Alberto
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A MULHER NO ROMANTISMO E O REFLEXO DA SOCIEDADE PATRIARCAL
Como exemplo de personagem romântica, foi escolhida a protagonista de “A
Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. O enredo entrelaça a história de dois pré-
adolescentes (a se dizer “crianças”) que fazem uma promessa de amor:
“Finalmente nós nos aproximamos dele, que nos apertou com entusiasmo
contra o coração.
_ Quem sois? – pôde, enfim, dizer –; quem sois?
_ Duas crianças – foi a menina que respondeu.
_ Dois anjos – tornou o velho. – E quem é este menino?...
_ É o meu camarada – disse ainda ela.
_ Vosso irmão?...
_ Não senhor, meu... marido.
_ Marido?
_ Sim, eu quero que ele seja meu marido.
_ Deus realize vossos desejos...
Acabando de pronunciar estas palavras, o ancião guardou silêncio por alguns
instantes... bebeu com sofreguidão um púcaro cheio d’água e, olhando de novo
para nós, e tendo no rosto um ar de inspiração e em suas palavras um acento
profético, exclamou:
- Seja dado ao homem agonizante lançar seus últimos pensamentos do leito da
morte, além dos anos, que já não serão para ele, e penetrar com seus olhares
através do véu do futuro!... Meus filhos! amai-vos, e amai-vos muito! A virtude
se deve ajuntar, assim como o vício se procura; sim, amai-vos. Eu não vos
iludo... vejo lá... bem longe... a promessa realizada! São dois anjos que se unem...
vede!... os meninos que entraram na casa do miserável, que enxugaram o pranto
e mataram a fome da indigência, são abençoados por Deus e unidos em nome
d’Ele!... Meus filhos, eu vos vejo casados lá no futuro!...”. (MACEDO, 2011, p. 62-
63).
É importante frisar os preceitos dessa doce menina, Carolina, e do “herói” da
narrativa, Augusto.
Carolina era morena, o que contradizia os preceitos europeizados comuns nos
romances do início do século XIX. Ao contrário da maior parte das personagens
alencarianas, as quais eram muito pálidas, com veias azuis que se percebiam em suas
mãos, olhos claros e cabelos louros, porém com as mesmas características infantis, Revista de Letras Dom Alberto
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angelicais e de donzela, forma-se Carolina. Na passagem seguinte, é possível notar sua
maneira infantil de chamar a atenção de Augusto:
Além destas, algumas outras senhoras aí estavam, valendo bem a pena de se
olhar para elas meia hora sem pestanejar. Toda a dificuldade, porém, está em
pintar aquela mocinha que acaba de sentar-se pela sexta vez, depois que
Augusto entrou na sala: é a irmã de Filipe. Que beija-flor! Há cinco minutos que
Augusto entrou e em tão curto espaço já ela sentou-se em diferentes cadeiras,
desfolhou um lindo pendão de rosas, derramou no chapéu de Leopoldo mais de
duas onças d’água-de-colônia de um vidro que estava sobre um dos aparadores,
fez chorar uma criança, deu um beliscão em Filipe e Augusto a surpreendeu
fazendo-lhe caretas: travessa, inconsequente e às vezes engraçada; viva, curiosa
e em algumas ocasiões impertinente. (MACEDO, 2011, p. 33-34).
A moreninha ficou marcada na história literária por suas características de
menina ingênua, mas, ao mesmo tempo, com muita inteligência. Sua inocência era para
as coisas do amor, ao passo que se mostrava esperta quando queria chamar a atenção,
ser o alvo de todos os olhares. Augusto era o rapaz namorador, mas que, ao reencontrar
a menina com quem fez a promessa, tornou-se capaz de amar a uma só mulher.
Os interditos dessa relação se fazem devido ao fato de se separarem, e, conforme
costume da época, os casamentos eram arranjados pelos pais dos jovens. Isso fez com
que Carolina, tanto quanto Augusto, ao se reencontrarem, mas não se reconhecerem,
tivessem a certeza de que jamais poderiam ficar juntos, porque haviam feito uma
promessa de casar com uma “outra pessoa”. E o desenrolar do clímax desse sofrimento
culmina na descoberta de que se tratava deles mesmos.
O sofrimento por amor, a falta de sexualidade e erotismo, as brincadeiras e
amores de infância, as promessas de amor e todo o ar de ultrarromantismo do texto de
Macedo implicam que a obra reflete a sociedade da época: em que a mulher era apenas
um ser sem voz nem ação, “escrava” dos costumes da família e da sociedade. Mesmo que
não tenha havido um final trágico, como era de costume nas narrativas românticas, é
claro o tom de epopeia em “A Moreninha”, como uma saga em que os amantes
necessitam vencer obstáculos para ficarem juntos. Revista de Letras Dom Alberto
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Pensemos até nos próprios nomes dos personagens: Augusto, que, pela própria
tradição, é considerado sinônimo de grandiosidade; e Carolina, a moreninha, menina a
qual, até no apelido, carrega o diminutivo da sua singeleza, infantilidade, submissão.
Tudo isso se afasta de uma liberdade feminina na sociedade, na história, na
sexualidade.
A FIGURA FEMININA NA LITERATURA MODERNA/ CONTEMPORÂNEA
Ana Carolina Mendes Camilo (2011) trata a respeito do caminho que seguiu a
personagem feminina na Literatura. Segundo a autora, houve uma evolução, de modo
geral, dessas personagens, as quais passaram a ter um novo perfil de caráter,
personalidade, obviamente tendo transformadas também suas descrições físicas e
psicológicas.
É a partir de meados a fim do século XIX que haverá, efetivamente, uma visão de
mudança: de dona de casa e feita para o casamento (arranjado) e para o lar, a mulher
passa para um perfil de tentativa, cada vez mais vitoriosa, de se libertar do jugo
masculino.
No que se refere ao começo do século XIX essa era uma realidade ainda pouco
vista, pois o que se idealizava para a mulher brasileira era um vida cheia de
afazeres domésticos, um sólido ambiente familiar, filhos educados, dedicação
exclusiva ao marido tanto para vida domiciliar quanto social, esse sim era
considerado o tesouro da mulher no limiar do século XIX. (...) e no final do
oitocentos percebemos um direcionamento mais conciso para uma esfera
emancipatória dessa mulher ansiosa por mudanças sociais e capazes de
mostrar seus desejos, sejam eles luxuriosos ou não. (GOMES, 2010, P. 122).
A partir dos Estilos de Época Realismo e Naturalismo e, posteriormente, o
Modernismo e a Literatura contemporânea, encontrar-se-ão personagens femininas que
trabalham, agem, pensam por si só, buscam realizar seus objetivos de vida, são
emancipadas e “liberais” sexualmente; porque, ora, se o caminho que a humanidade
segue nesta era de “pós-modernidade” é o da igualdade dos gêneros, a Literatura, como Revista de Letras Dom Alberto
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espelho que reflete a história e o perfil de cada época, irá trazer personagens
verossímeis com essa realidade.
A personagem Helena, no livro homônimo de Machado de Assis, encontra-se,
ainda, num meio-termo entre o domínio masculino e a emancipação feminina. Suas
características são de uma mulher do estilo Realista ao qual Assis pertence. Entretanto, a
personagem possui um destino típico das narrativas românticas: a morte por debilitação
física. Para conquistar o poder de Matriarca dentro da casa, sendo Helena fruto de uma
relação fora do casamento, portanto, bastarda, ela mostra raciocínio e se traveste de
máscaras, usando de uma dissimulação incompatível com a mulher do Romantismo.
Emaranhado com isso, o momento da morte de Helena, tão lírico quanto uma cena de
amor alencariana, relembra os tempos românticos:
Os olhos desta [Helena], já volvidos para a eternidade, deitaram um derradeiro
olhar para a terra, e foi Estácio que o recebeu – olhar de amor, de saudade e de
promessa. A mão pálida e transparente da moribunda procurou a cabeça do
mancebo; ele inclinou-a sobre a beira do leito, escondendo as lágrimas e não se
atrevendo a encarar o final instante. Adeus! – Suspirou a alma de Helena
rompendo o invólucro gentil. (ASSIS, 1998, p. 143).
Uma outra personagem, a qual também sofreu com uma sociedade patriarcal,
porém, por ter características vanguardistas, levou sua luta por libertação até as últimas
consequências, foi Madalena, personagem de “São Bernardo”, de Graciliano Ramos.
A história traz um personagem “turrão”, bruto e machista: Paulo Honório, o qual,
a troco de muitos enganos e desavenças, conseguiu construir a fazenda São Bernardo,
enriquecendo-se cada vez mais. Acordou um dia “querendo casar”. A mesma sensação de
posse que ele tinha perante a fazenda, acabou por ter com a esposa que conquistou:
Madalena. Esta, aproximando-se das mulheres do Realismo, mesmo se tratando de uma
obra modernista, casou-se menos por amor que por interesse financeiro. Como
professora, seria difícil imaginar que pudesse dar certo uma união com um homem que
achava a educação e a escola coisas bestas, de pouco valor.
Madalena, de início, foi dócil, mas foi-se revelando paulatinamente, como uma
mulher emancipada. Começou a querer trabalhar no escritório ou na escola, não ficava Revista de Letras Dom Alberto
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parada. Queria o que fazer, queria conversar. Em suas conversas com os amigos da casa,
deixava transparecer seus conhecimentos, era uma mulher sábia. E, na opinião de Paulo
Honório, sábia demais. Este, com o tempo, deixou que o ciúme o levasse aos extremos,
queria manter a esposa presa em casa. O fim não poderia ser outro:
Entrei apressado, atravessei o corredor do lado direito e no meu quarto dei com
algumas pessoas soltando exclamações. Arredei-as e estaquei: Madalena estava
estirada na cama, branca, de olhos vidrados, espuma nos cantos da boca.
Aproximei-me, tomei-lhe as mãos, duras e frias, toquei-lhe o coração, parado.
Parado.
No soalho havia mancha de líquido e cacos de vidro. (RAMOS, 1986, p. 164-
165).
O que tanto incomodou Paulo Honório foi que Madalena não se submeteu. Ao
contrário, encontrou no suicídio a única maneira de escapar de um homem possessivo e
ciumento, capaz de um amor maléfico. Trata-se de dois extremos que, assim como num
paradoxo, jamais caberiam no mesmo lugar, no mesmo momento: uma mulher que
possui ambição de ascensão social, de linguagem e pensamentos coerentes, com uma
visão de mundo aberta; e um homem que enriqueceu ilicitamente, tomou posse tanto da
fazenda quanto da esposa, e, atrapalhado na sua ignorância e brutalidade, perdeu a
ambas, e, ainda, no final de sua narrativa confessa que, caso pudesse voltar no tempo,
tudo teria sido feito exatamente igual.
Muito diferente das personagens até agora citadas, porém igualmente
emancipadora, é a personagem CLB, da polêmica obra “A Casa dos Budas Ditosos”, de
João Ubaldo Ribeiro. As iniciais se justificam no prefácio, quando o autor, usando de seus
artifícios de jogo enganador com seus leitores, diz terem sido encontrados esses escritos,
cuja assinatura era apenas CLB.
A personagem faz a narrativa de toda a sua vida sexual, por isso se assemelha,
mas vai além das anteriores citadas. CLB não só repele qualquer ideia ou
comportamento machista como também se revela livre de qualquer interdição social,
cultural ou religiosa. Ela representa o que Bataille (op.cit.) considera não se deixar
prender nem dominar por pensamentos arcaicos de interdições quanto à sexualidade.Revista de Letras Dom Alberto
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Livre de qualquer “amarra”, a protagonista de “A Casa dos Budas Ditosos” é o
Verbo em pessoa. Em muitas passagens da sua narrativa, ela utilizou do modo
imperativo, mostrando estar sempre no comando da situação: “Você vai, ou eu conto a
meu avô que você tomou ousadia comigo e ele manda lhe capar” (RIBEIRO, 1999, p. 27).
Ou ainda: “E eu falei, levantando a saia e baixando a calçola: _ Chupe aqui”. (p. 29).
CLB, mesmo com toda a sua sexualidade exacerbada, escolhia o que queria fazer e
com quem queria fazer. É o que se pode perceber na seguinte passagem:
E por que eu não deixei que ele me comesse na frente também? Bem, primeiro
porque achei que não estava pronta ainda, embora me sentisse profundamente
lesada em meus direitos elementares, por não poder dar tudo o que era meu e
de mais ninguém. (...) Segundo, e mais relevante, é que eu tinha uma fantasia do
meu desvirginamento. (Ibidem, p. 57-58).
A sua sedução, o seu fabuloso uso de artifícios de conquista, o corpo, os
movimentos, tudo muito bem e sempre pensado e calculado, tudo isso faz da
personagem uma mulher de verdade, completa em sua emancipação:
E - fiz, fiz, fiz, não posso negar, fiz um negócio que sempre considerei vulgar,
mas fiz – apliquei aquele golpe do veja como eu estou nervosa, puxando a mão
do freguês para o meu regaço. E, no setor visual, a esta altura eu já tinha
chegado ao saião com botões na frente. Anágua fina por baixo, mas saião com
botões. Não aparecia nada, só muito de relance e uma vez na vida e outra na
morte, mas ele ficava perturbado, já andava visivelmente perturbado comigo, às
vezes, coitado, dava uns olhares caídos e compridos, como se quisesse pedir
misericórdia. E eu firme. Minhas ficadas depois da aula viraram costume,
comigo conversando e usando todos os truques que já nasci sabendo, pegando
no braço dele e tirando a mão depressa e maliciosamente, elogiando ele,
chegando perto para olhar livros sobre o ombro dele, olhos nos olhos sempre
que podia, uma campanha napoleônica. (Ibidem, p. 64).
Enfim, após o desvirginamento contado pela narradora, ela relata incontáveis
aventuras sexuais, com homens, mulheres, casais, e choca o leitor, quase que com “um
tapa na cara”, quando conta suas relações sexuais com o irmão Rodolfo e diz que deveria
ter tido relação com o pai.Revista de Letras Dom Alberto
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CLB vai além do que Freud chamou de inveja do pênis ou frustração fálica:
tomando para si os mesmos direitos que o homem sempre teve ao longo da história da
humanidade, ela traça o seu caminho, constrói sua história, protagoniza todos os seus
direitos, sem prejudicar nem a si nem aos outros. Conquistou quem quis, amou,
ultrapassou a mais longínqua linha de limite, viveu intensamente. Tendo a certeza de
que Deus “agora está rindo” (Ibidem, p. 163).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das análises feitas, pôde-se concluir que a Literatura e a história sempre
andam juntas, no tocante que aquela procura retratar, através da verossimilhança, a
realidade.
Após momentos em que a mulher foi subjugada aos mandamentos e interdições
de uma sociedade patriarcal, ela foi conquistando, aos poucos, seu espaço na história, e,
consequentemente, a Literatura acompanhou seus passos. Ao vermos a diferença entre
as personagens românticas e as realistas, modernas e contemporâneas, o que se nota é
que ficou para trás um passado de “sexo frágil” e submissão.
As personagens que aparecem a partir dos meados do século XIX possuem a
função de retratar uma busca milenar da mulher pela igualdade entre os gêneros. Com
isso, também a sexualidade será retratada.
Independentemente se a personagem CLB choca por seu erotismo e sexualidade
exacerbada, ou se a ousadia da transgressão faz parte da Literatura moderna/
contemporânea, o que está em foco não é a noção de “pecado” ou “proibido”. Pois, se
estamos numa realidade que busca minimizar até findar os preconceitos contra as
minorias, preconceitos raciais, como também os preconceitos contra o gênero feminino,
por que continuar com o pensamento arcaico de que a mulher é inferior?Revista de Letras Dom Alberto
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Que sejam deixadas de lado as interdições sociais, culturais ou religiosas que
impediram a figura feminina de se autoafirmar como sujeito ativo, uma vez que as
interdições históricas já fazem parte do passado e lá mesmo devem ficar.
REFERÊNCIAS
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ISSN 2316-2635 - versão eletrônica
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Revista de Letras Dom Alberto, v. 1, n. 2, ago/dez. 2012
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Artigo aceito em dezembro/2012

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